Demolição da Cerâmica viola PDM de Anadia
A Fábrica de Cerâmica de Anadia está a ser demolida “aos poucos, para que as pessoas se habituem à ideia”. Quem o diz é Nuno Rosmaninho, professor da cadeira de Cultura e Património na Universidade de Aveiro, que chamou a “atenção para o edifício há mais de um ano, quando começou a ser destruído”. A demolição, levada a cabo pela autarquia anadiense, viola, assim, o Plano Director Municipal (PDM) de Anadia em vigor, que categoriza o espaço de “interesse arqueológico industrial”. Recuando até ao mês de Fevereiro do ano passado, Nuno Rosmaninho recorda que já nessa altura estava em curso a extracção do madeiramento da Fábrica de Cerâmica de Anadia. No entanto, já em 2006 era conhecida a instalação de um supermercado da rede Intermarché, nos terrenos onde agora definham restos da velha cerâmica. De acordo com Litério Marques, presidente da Câmara de Anadia, o Intermarché vai avançar. Na altura que apresentou aos jornalistas algumas obras que integram um projecto de requalificação da cidade de Anadia, há duas semanas, voltou a referir que a instalação do supermercado, naquele local, estaria “para breve”. “Procurei chamar a atenção para a demolição da cerâmica há um ano, durante as Jornadas Europeias do Património, numa palestra proferida no Museu do Vinho Bairrada. E não me senti só, uma vez que recebi ecos favoráveis de muitas pessoas”, garantiu Nuno Rosmaninho. O munícipe de Anadia e professor da Universidade de Aveiro frisa que, actualmente, é muito comum a adaptação de antigas instalações fabris a apartamentos. Trata-se de um desafio, encarado por arquitectos e promotores imobiliários, que tem produzido excelentes resultados. Preservar a volumetria Nuno Rosmaninho lembra que o imóvel consta do Diário da República de 9 de Agosto de 1994, como património de “interesse arqueológico industrial”. Nessa medida, a sua destruição parece constituir, como é natural, uma violação do PDM, facto que reclama competentes explicações por parte da edilidade. Não se trata de preservar apenas os fornos e a chaminé, mas também a presença urbana do edifício. O professor universitário exemplifica com a Fábrica Campos, em Aveiro, transformada em Centro Cultural e de Congressos. E lembra: “O progresso, tão falado pelos nossos autarcas, nunca se pode fazer contra o património, porque nesse caso não é progresso, mas retrocesso. Há irresponsabilidade dos poderes municipais, que não impõem as normas do PDM; incompetência dos promotores imobiliários, que não sabem valorizar economicamente o património; e uma dormência doentia da opinião pública, que parece rendida à ditadura em democracia”. O docente acredita que no futuro o património será cada vez mais um bem precioso, até porque “muitas destruições são inúteis e resultam da mera ignorância”, atira, falando de seguida da Quinta dos Cabrais, que considera “uma perda irremediável, porque ninguém pode entender Tamengos sem ela. Há um descuido muito grande no concelho de Anadia pelo património”. Um “processo costumeiro” Domingos Graciosa, administrador da Casa da Graciosa, Sociedade Imobiliária, diz ter assistido a alguns dos camiões da Câmara a carregar escombros da cerâmica, que foram descarregados no aterro da zona do Alto das Domingas, em Anadia. “Parece a repetição de um processo costumeiro, que se iniciou com a demolição da Quinta dos Cabrais. A alteração do Plano de Pormenor da Curia é outro exemplo”, afirma Domingos Graciosa. E acrescenta: “Em Anadia acontece o que se lê numa placa de uma Prefeitura do Estado do Ceará, Piaui, que diz que ‘Se és amigo, entra amigo. Se não és, cumpra-se a lei’. Também em Anadia a lei é só para quem não é amigo do presidente da Câmara”. O empresário admite nada ter contra a instalação do Intermarché em Anadia. “Não tem é de ser sobre um monumento protegido pelo PDM. Podia ter-se mantido a fachada e fazer o supermercado no interior. É surrealista”, defende. Violação do PDM de Anadia A demolição da Fábrica de Cerâmica de Anadia está a violar o PDM de Anadia em vigor, por tratar-se de um “espaço cultural”, de “interesse arqueológico industrial”, conforme o Anexo n.º 2 do documento. No Artigo 33.º, Capítulo VIII, pode ler-se no “Estatuto de uso e ocupação de solo” que “nestes espaços deve ser privilegiada a protecção, conservação e a recuperação dos valores culturais, arqueológicos, arquitectónicos e urbanísticos”. Também o Artigo 30.º do mesmo capítulo do PDM de Anadia em vigor diz que “o património cultural construído e arqueológico é constituído pelos monumentos, conjuntos ou sítios e objectos que, pelas suas características, se assumem como valores com reconhecido interesse histórico, arqueológico, artístico, científico ou social”. O Quiosque das Letras tentou ouvir Litério Marques, mas o autarca não quis falar. (Foto: Davide Silva)
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